sexta-feira, setembro 29, 2006

Perfil - III

Acalma os dias com uma voz de rio escorrendo. Acorda atrasado para o descanso. Desperta a preguiça, traga as primeiras incertezas ainda cedo, boceja o banho. Deixa o café lhe absorver. Caminha tentando escapar do movimento, desvia dos passos, plagia a própria sombra. Não consulta o relógio, é mais lento que o tempo. Exercita o sedentarismo pela manhã com a agilidade de um veleiro, cansa horas sem correr. Conversa calado com o silêncio, sempre o mesmo assunto. Prevê a solidão, engana o imprevisto. Antecipa indecisões para não ter que omitir a decisão de ultimo momento. Anda pelo acostamento para que a velocidade o deixe pra trás. Repete histórias de vida aos amigos, sem notar que a vida o repete. Resiste à oportunidade, escreve torto em caminhos certos. Trabalha como quem distrai as horas. E sua hora significa o mesmo que um minuto, segundo ou dia, qualquer tempo é semelhante. Distrai-se como quem cuida do trabalho. Segue dieta de acontecimentos, porções leves de indiferença divididas em ações de baixa caloria. O comodismo é seu nutricionista. Tem pesadelos com as mais assombrosas mudanças todas as noites, corre para a cama dos medos velhos. Dizem que seu passado pode ser escrito em três páginas. E seu passado é uma copia do presente, imitação do futuro. É fiel a copia, cultiva igualdade com talento de artista consagrado.

É prisioneiro do banal por vontade própria. Economiza na vida para subornar a morte.

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terça-feira, setembro 26, 2006

Versos Etílicos em Cabeceiras de Bar





"Chega,
excedi-me em sonhos.
Mais duas doses e paro.”

“Você disse isso há dois sonhos atrás”.

***

“Preciso ultrapassar,
não me impeça.
Preciso de nova historia,
de uma embriaguez
diferente
,enfim,
mas está aqui neste bar.”

***

“Pois é, meu caro. Veja só o resultado de tantas bebedeiras: dezenas garrafas-coloridas de esperança falsificada, litros de sonhos envelhecidos em barris de euforias, copos-encantados de desejos falidos, engradados de promessas não pagas e uma dívida de desilusões assinada com tua dor, pendurada na memória. Agora não reclama. Pague, com rigor tudo o que deve. “

***

“Mas essa é diferente.
Sabe aquele tipo ideal?”

“Sei. Isso da ressaca.”

***

“Não penso nela..”

“Não?”

“Não penso,
mesmo se falo nela
Não penso mesmo
se lembro,
se gosto.
Não penso mesmo quando penso,
ah, não sou bom em palavras,
parece confuso?

Garçom, será que eu bebi amor demais hoje?
Será que o amor também embebeda?“



Fernando Palma, Setembro de 2006

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