Perfil - III
Acalma os dias com uma voz de rio escorrendo. Acorda atrasado para o descanso. Desperta a preguiça, traga as primeiras incertezas ainda cedo, boceja o banho. Deixa o café lhe absorver. Caminha tentando escapar do movimento, desvia dos passos, plagia a própria sombra. Não consulta o relógio, é mais lento que o tempo. Exercita o sedentarismo pela manhã com a agilidade de um veleiro, cansa horas sem correr. Conversa calado com o silêncio, sempre o mesmo assunto. Prevê a solidão, engana o imprevisto. Antecipa indecisões para não ter que omitir a decisão de ultimo momento. Anda pelo acostamento para que a velocidade o deixe pra trás. Repete histórias de vida aos amigos, sem notar que a vida o repete. Resiste à oportunidade, escreve torto em caminhos certos. Trabalha como quem distrai as horas. E sua hora significa o mesmo que um minuto, segundo ou dia, qualquer tempo é semelhante. Distrai-se como quem cuida do trabalho. Segue dieta de acontecimentos, porções leves de indiferença divididas em ações de baixa caloria. O comodismo é seu nutricionista. Tem pesadelos com as mais assombrosas mudanças todas as noites, corre para a cama dos medos velhos. Dizem que seu passado pode ser escrito em três páginas. E seu passado é uma copia do presente, imitação do futuro. É fiel a copia, cultiva igualdade com talento de artista consagrado.
É prisioneiro do banal por vontade própria. Economiza na vida para subornar a morte.
É prisioneiro do banal por vontade própria. Economiza na vida para subornar a morte.
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