Perfil - III
Acalma os dias com uma voz de rio escorrendo. Acorda atrasado para o descanso. Desperta a preguiça, traga as primeiras incertezas ainda cedo, boceja o banho. Deixa o café lhe absorver. Caminha tentando escapar do movimento, desvia dos passos, plagia a própria sombra. Não consulta o relógio, é mais lento que o tempo. Exercita o sedentarismo pela manhã com a agilidade de um veleiro, cansa horas sem correr. Conversa calado com o silêncio, sempre o mesmo assunto. Prevê a solidão, engana o imprevisto. Antecipa indecisões para não ter que omitir a decisão de ultimo momento. Anda pelo acostamento para que a velocidade o deixe pra trás. Repete histórias de vida aos amigos, sem notar que a vida o repete. Resiste à oportunidade, escreve torto em caminhos certos. Trabalha como quem distrai as horas. E sua hora significa o mesmo que um minuto, segundo ou dia, qualquer tempo é semelhante. Distrai-se como quem cuida do trabalho. Segue dieta de acontecimentos, porções leves de indiferença divididas em ações de baixa caloria. O comodismo é seu nutricionista. Tem pesadelos com as mais assombrosas mudanças todas as noites, corre para a cama dos medos velhos. Dizem que seu passado pode ser escrito em três páginas. E seu passado é uma copia do presente, imitação do futuro. É fiel a copia, cultiva igualdade com talento de artista consagrado.
É prisioneiro do banal por vontade própria. Economiza na vida para subornar a morte.
É prisioneiro do banal por vontade própria. Economiza na vida para subornar a morte.
Marcadores: pequenos textos, perfil, textos poeticos
22 Comentários:
Um suborno tardio e inútil...
Beijos...
Voz de rio escorrendo, agilidade de um veleiro, acostamento, talento de artista consagrado - tudo isso são pistas desse prisioneiro do banal, mas, entrelinha, há um ser profundo. Belos paradoxos - Riodaqui/PauloVigu
Esse perfil eu conheço...
Um forte abraço e não poderia deixar de falar: SENSACIONAL!
Esdras
"Tem pesadelos com as mais assombrosas mudanças todas as noites, corre para a cama dos medos velhos."
É exatamente assim que me sinto. Amei toda dicotomia.
É!
O crescimento reduz a significância do que acontesse.Mas só vive quem cresce.
A mudança causa as dores do esticar das emoções e do choque das novas interações. Mas só vive quem muda.
Fernando, seu novo ciclo de "rascunhos" está excelente e nos proporciona o prazer das reflexões.
Um abraço.
Walter
É, caro colega... o problema é quando deixamos de ser não o que ainda desconhecemos. Não o que gostaríamos de ser.
Mas é triste quendo deixamos de ser o que fomos um dia. Principalmente quando fomos muito melhores e acabamos por nos tornar um ser insosso, apagado, borrado.
Algumas pessoas possuem o poder de passar um bocharra nas partes mais coloridas do nosso jeito de ser. E as tintas se misturam, ficam rasuradas. E com esta mistura, os estados emocionais. Ora de muita coragem, ora de total impotência. Ora de muita alegria, ora de tristeza profunda.
Enfim... "às vezes eu quero chorar, mas o dia passa e eu esqueço..". Fatalmente eu esquecerei...
Seu link está devidamente registrado no meu cantinho. Que não é tão poético quanto o seu, mas que reflete também a alma.
Porreta! Quando o corpo não consegue ser sujeito da história, então a esperança está no fundo do poço; porém, ainda notei uma réstia de luz na escuridão.
hábraços
o "kleinen mann" reicheano...
abs.
Apesar de tudo ainda resta um alento de que amanhã será diferente, que o corpo reaja à mente e que o suborno seja de vida para vida...
Lindo findi querido
beijosssssssss
Voltei aqui e tornei a gostar de seu texto. Prosa e poesia de boa qualidade. E o fecho do Perfil está perfeito. Um abraço, Fernando.
Preciso dizer que te acho brilhante? =)
Um beijo.
é tão bom conversar calado com o silêncio. Vc é formidável meeeeesmo.
Olá, moço!! Extasiada com as tuas palavras... Imagens perturbadoras e dissonantes perfeitamente combinadas... Simplesmente apaixonante!! Meu beijo
bela semiótica poética, meu chapa. abraço.
Só que a morte não aceita como suborno uma sobrevida..
p.s.: Tô mais fã! bjos!
não deseja o movimento, desvia:
insignificante é a vida?
nunca sei como é fácil viver.
Beijo, nando.
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Fernando, nestes dias em que não estou trabalhando eu me sinto exatamente assim, é como se eu estivesse a todo tempo tentando adiar a minha vida. "a vida o repete" é exatamente isso! a vida me repete, tem horas que quase me canso dela.
Acho que por hoje encontrei meu desabafo, e novamente vou salvar e escrever alguns trechos na minha agenda... Posso?
Obs: vou colocar a sua autoria!
Beijos meu querido, e boa semana.
Comentrio excluido = span .
Lembro-me de algo que escrevi, parecido, mas sem subornos... rrs
Adorei!!! Beijos pra você!
Trago qualquer coisa in-diferente pra alegrar teus dias!
Pefil... Gostei também disso...
"Complicado e perfeitinho"
1000000000000000000 fases...
Será? rs
Passando para dizer que vc continua cad dia melhor!Um beijo bem grande e boa semana!
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