Baseado em Personagens Reais - II
Era um homem dedicado ao destino, fiel, comprometido com a dor. Perdeu a esposa aos quarenta e chorou para sempre. Fim de ano, os filhos traziam alguns presentes para pausar sua melancolia. Depois, rendidos, iam embora carregando consigo a própria saudade. No trabalho, discutia a todo tempo com a solidão, de maneira impiedosa. E ela escutava tudo, sem reclamar. Até que finalmente ele e a solidão saiam para aliviar a relação no boteco. E quando a tarde enfraquecia, voltavam os dois abraçados em embriaguez pelo caminho de casa. Já iam mais de três anos, me peguei bem próximo e não resisti, perguntei se não restava nada. Ele cutucou com os dedos a memória de forma semi-engraçada e foi a única vez que nasceu algo desse sujeito que me fez rir. Respondeu que havia uma esperança num lugar intocável, bem guardada. Tão bem guardada que provavelmente já esquecera onde pôs, deduzi, juntando um pouco de compaixão. Não lembro qualquer outra prosa. Lembro que tinha lá sua postura mais ou menos elegante de curvar o corpo ao caminhar. E reconheço que cultivei uma certa admiração por sua sabedoria individual. Individual porque era sábio consigo, mas os outros pouco percebiam. Ele tinha a inteligência de enganar seu próprio desespero com uma tranqüilidade misteriosa que nascia em volta das rugas dos olhos e ia até os dedos, esticados, em sono profundo.
Lembro também de tê-lo visto um pouco antes da notícia, sentado numa esquina, se exibindo para a timidez. O copo de cerveja sempre de mãos dadas com ele. Nada mais posso narrar sobre o momento, é uma pena. Na verdade, a vida já o tinha deixado há muito tempo, o tempo que se atrasou em pedir que a morte viesse ocupá-lo.
Marcadores: pequenos textos, perfil, textos poeticos
19 Comentários:
É forte e densa a sua escrita.
Que bom que me descobriu, assim pude te conhecer e visitar o seu blog (já virei fã).
Beijinhos
Um enredo bem tramado. O narrador insiste em controlar demasiadamente suas personagens. Isso é natural e aceitável. Quem não gosta de ser Deus de quando em vez? A serenidade da personagem é o diferencial da narrativa, apesar dos eventos ruins da vida. Quase um Roquentim de Sartre. Há braços!
Antônio Alves
No Passeio Público
Postagens às quartas e domingos
Adorei.Texto denso e compacto.Um verdadeiro réquiem à solidão,saudade e ao amor também.Como sempre,vc viaja e embarca junto dos escritos sempre bem eleaborados do Fernando.
Beijos entrelinhas da sua fã n.01.
Lady Vania.
Fernando, lutar contra a própria dor é uma luta interminável.
Essa morte tão atrasada, talvez seja a maneira certa de viver uma dor, que de certa forma, alimenta.
Beijo nesses dedinhos que escrevem tão bem sobre o amor.
Rebeca
Olá Fernando estava vendo um video e acabei vindo parar aqui. e ainda estou lendo muito. Voce tem uma escrita interessnte e riquissima apesar de parecer jovem parabéns!
Treiste este...mas eu gsotei
Beijos da Gabi
Olá, encontrei teu blog passeando pelo orkut, confesso que foi uma grata surpresa, gostei daqui, espero que não se importe que eu apareça de vez em quando para fazer uma visitinha hehehe
abraços e tenha uma ótima semana.
Adri
Gostei do texto, bastante. O retrato da solidão enfrentada.
boa tarde
Brilhante!
Oi Fernando,
Queia aproveitar o ensejo e convidá-lo para fazer parte de uma antologia literária luso-brasileira que será editada pelo clube Scriptum. Para maiores detalhes visite o site
http://clubescriptum.webtekk.org/index.html
Se vc se interessar, estou por aí para retirar qualquer dúvida...
Um grande abraço
Que bem descrita esta tão profunda solidão...Ela quando chega e se instala é de uma força tremenda...
Obrigada pela visita.
Gostei de aqui vir e te ler.
Voltarei.
bj
Adorei andar por aqui.
Voltarei.
Jinhos
Que morte difícil quando se teima na vida.
Excelente!
Abraço.
Nem mais oq falar da intensidade dos teus textos. Ando repetitiva nos comentários.
Boa semana!
Beijinhossss
Forte e duro, mas muito poético. Beijo.
Exelente texto, fernando. escrito por quem entende
Abraços,
Marcos J.
E este homem forte e ao mesmo tempo sábio parece com o homem que eu cito em meu último post.Impossível não associar os dois textos! Há uma espécie de inconciente coletivo a pairar sobre nossas letras? Lindo o texto Nando.É incrível como o mesmo amor que faz sonhar é o mesmo que um dia pode nos fazer chorar e sofrer.Coisas da vida...
Infeliz daquele que se deixa levar pelo conformismo e para de lutar a favor da sua felicidade.
Excelente texto numa prosa magnífica.
Um beijinho.
exelcior!um termo ,acredito ,bem etimologizado.
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