sexta-feira, junho 01, 2007

Antes do Adormecer



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Gesticulava com a cabeça expressando consentimento, mas não interesse. Olha, aqui você guardará suas roupas, está vendo? E aqui os brinquedos. Na prateleira, guardará o material escolar. Viu quanto espaço? Olha só a cama, olhou, a bancada, olhou. As paredes ardiam em tinta fresca. Pintamos em azul, gostou? O chão brilhando, móveis novos, nada o despertava atração. Bastou um vacilo e distraiu-se propositalmente da voz da mãe e foi então que os pais repararam e inquietaram-se. De curiosidade, e de surpresa, e mistério bobo, e não estou certo disso, mas talvez tenha existido uma pequena dose de indignação ou desilusão misturada na fisionomia do casal. Olhava para o teto. Ele olhava colhendo alguma expectativa, forçando apenas o olho esquerdo, o direito continuava aberto um pouco triste, como se estivesse avaliando intimidade, ou falta dela, enquanto os pequenos dedos escapavam pela mão materna, suada - agora finalmente quieta por causa a cena -. Era uma expressão precisa, e digna de estudo. O teto. Vazio. Os adultos continuavam estupefatos e comungavam um silêncio embaraçado. Não reagiram por um instante até que a iniciativa do pai remediou o clima. Vamos ver o quarto da mamãe e do papai agora? E assim, por insensibilidade ou por velhice ele foi interrompido de sua própria ingenuidade, e ignorado de sua insegurança. Foi subestimado de seu gesto que olhava para o mundo dos pequenos, que eles esqueceram que existia. O mundo que não tinha nada haver com aquilo ali, que na verdade significava muito.



Naquela manhã, passaram o resto do tempo repetindo contentamento nos espaços vazios que logo seriam ocupados no apartamento novo. Olha só, aqui, guardaremos os discos. Aqui, na estante, a TV maior. Este quadro no corredor. O tapete branco na sala de jantar, o marrom na de visita. Não, melhor o branco na de visitas. O menino fiel a sua mudez, no canto, um boneco e alguns desenhos na mão, segurava firme o papel. Firme para apertar um inicio de choro que não foi notado, porque ficou preso na garganta. Lembrava a casa antiga, a cama velha, pequena. Deitado, virado pra cima, de madrugada, os olhos abertos, o quarto semi-escuro. Eles nunca iriam entendê-lo. Para uma criança, o teto do quarto não é um simples teto, é diferente, é especial. Porque é onde se guarda os sonhos.



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14 Comentários:

Blogger Donxel disse...

Ola Fernando, li o seu rascunho. Muito bom!!
tenho um blog também e lá deixo poemas e poesias se quiser visitar, ficarei lisongeado. Muita inspiração para você e continue, a nossa sede por aprender não tem fim...abraços.

Donxel.
http://donxel.blogspot.com/.

sábado, 2 de junho de 2007 às 18:00:00 BRT  
Blogger Saramar disse...

Fernando, você faz mágica com as palavras.
É maravilhoso este texto! Eu já o li umas três vezes e sempre me encanto com a criança que você cultiva.

beijos e bom domingo

domingo, 3 de junho de 2007 às 02:13:00 BRT  
Anonymous Anônimo disse...

Delisciosooo...demais...
Beijos da Gabi..

domingo, 3 de junho de 2007 às 03:53:00 BRT  
Blogger Palu disse...

Nando,
A-D-O-R-E-I!!!!
Vou te confessar uma coisa: sabe que o teto do meu quarto continua assim, até hoje? É uma grande janela, onde assisto aos meus sonhos e fantasias...
Você é, definitivamente, um lindo menino!
Beijo no coração.

domingo, 3 de junho de 2007 às 23:26:00 BRT  
Anonymous Anônimo disse...

Eu nunca ... Nunca sabedoria responder a isso se fosse uma pergunta ...:

"onde se guarda sonhos (?)"

Um beijo.

segunda-feira, 4 de junho de 2007 às 01:10:00 BRT  
Anonymous Anônimo disse...

Não deixei de ver sonhos no teto do meu quarto... rs

Beijinhossss

segunda-feira, 4 de junho de 2007 às 12:33:00 BRT  
Blogger Suzi disse...

O novo assusta. Mesmo que traga novos espaços, capazes de guardar antigos e novos sonhos.

Às vezes nós, os adultos, nos mostramos estupefatos, sim; mas apenas enquanto estamos curtindo a idéia do novo; quando começamos a vivê-la, também sentimos a solidão e o contentamento dá lugar a um medo, muitas vezes secreto.

Mas todos nós, crianças e adultos, precisamos enfrentar o novo. Porque a vida é assim, uma novidade diária, mesmo que não percebamos, de cara.

___________
Grata por sua carinhosa visita. Volte sempre que quiser!
:o)

quarta-feira, 6 de junho de 2007 às 21:32:00 BRT  
Anonymous Anônimo disse...

lindo lindo historia de todos nos ...
estou contente de vc estar escrevendo novamente... beijossssss querido!

sexta-feira, 8 de junho de 2007 às 03:29:00 BRT  
Blogger Jana disse...

Lindissimo texto. De uma suavidade muito grande, mas com algo que nos faz pensar... Onde guardamos os nossos sonhos?

Beijos

sexta-feira, 8 de junho de 2007 às 08:46:00 BRT  
Anonymous Anônimo disse...

Cara, vi seus poemas no orkut e acabei vindo conferir. Você escreve muito bem cara, to lendo sem parar. Parabéns!!!

sexta-feira, 8 de junho de 2007 às 13:54:00 BRT  
Blogger Rynaldo Papoy disse...

Obrigado pelo comentário no nosso blog, Fernando. Parabéns pelo seu blog também. Abraço!

sexta-feira, 8 de junho de 2007 às 14:07:00 BRT  
Blogger Mônica Góes disse...

Nossa! Deslanchou em novas produções! Vou ler tudo com muita calma! :)

sexta-feira, 8 de junho de 2007 às 14:26:00 BRT  
Blogger Mônica Góes disse...

Nossa! Deslanchou em novas produções! Vou ler tudo com muita calma! :)

sexta-feira, 8 de junho de 2007 às 14:26:00 BRT  
Anonymous Anônimo disse...

Dizer que vc escreve bem,é chover no molhado.Principalmente quando deixa esta criança que tem aí dentro falar...Sonhos no teto?Quem nunca os teve?Eu costumava criar histórias com as vigas do teto.As vezes passava a tarde no nobre ofício de contá-las uma a uma,outras tardes imaginava rostos nelas e criava a história de uma família de madeira presa no teto meu...Rs Foram tardes e tardes que não voltam e que só puderam estar em mim agora,graças ao seu texto!Beijo grande Nando!

sábado, 9 de junho de 2007 às 15:40:00 BRT  

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