O vício
Nunca bebeu. Sempre teve horror a cigarro. À medida que o tempo passava ficava cada vez mais contra a qualquer tipo de vício. Foi surpresa da família quando parou de comer carne vermelha. E cortou mais ainda a alimentação. Era quase um naturalista. Quero estar livre de porcarias, dizia. Só tomava sol antes das dez, em horário recomendado. Começou a mudar ainda mais. Proibiu doces em casa, sorvete, biscoitos, guloseimas. As crianças reclamavam. Começou a regular o vídeo- game do mais novo e a internet da mais velha. Tinha pavor a vícios. Era contra jogos. Proibia baralhos em casa, dominó. Tinha horário certo de assistir tv. Parou de usar ar– condicionado, leu que fazia mal. Parou de ler todo dia, pra não viciar. Á noite então, ao deitar começava a se sentir estranho. Começou a perder o sono, algo o incomodava. Uma sensação diferente, preocupante. Trocou o café pelo suco, o açúcar pelo adoçante. Mas a insônia lhe persistia. E aumentava a cada noite. Perdeu o vício de dormir à tarde, assistia menos à novela, tinha hora certa de ir pra cama. Parou de comer de noite, ouviu dizer que fazia mal. Parou de tomar refrigerante-diet, por causa da cafeína. Mas aquela sensação não foi embora, e o deixava acordado. Mexia-se na cama, perdia a concentração. Mudava de posição, mudava de travesseiro, nada adiantava. Trocou o suco pela água, parou de sair à noite de Sábado, mesmo a esposa sendo contra. Parou de vez de assistir novela. Depois já não assistia mais tv. Até o rádio pouco escutava. Perdeu todos os costumes ruins. Mas algo ainda o incomodava, e tirava seu sono. De madrugada pensava no que havia de errado, inquieto na cama. Tinha algo que o deixava aflito. Não sabia o que era. Tudo estava em ordem, pensava. As contas estavam em dia. Era um exemplo de pessoas saudável. E o melhor de tudo: não tinha nenhum vício. Era o seu maior orgulho. Homem livre de vícios! Mas ele não percebia é que lhe restava sim, um grande vício. Um único vício, que nunca perdia. E estava o matando. O vício de se preocupar com tudo.
Participação especial na adaptação deste texto do amigo Esdras Barrteo.
Marcadores: cotidiano, mini contos cotidianos, pequenos textos, textos pequenos
9 Comentários:
Vícios...E quem não os tem?Curioso que eu até lembro bem de pessoas que possuem o mesmo vício do cara do teu post.Mas até que ponto abdicar de todos os vícios nos traz felicidade?E se for um dos vícios que nos fazem bem,como o de vir aqui sempre?(Risos)Abração moço!;)
Ótimo texto, Fernando.
Só não gostei mais porque me identifiquei um pouco rsrs
Abraço!
difícil largar o vício de ter vícios. quem sabe um dia.
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abraço,
edu
hahahaha A cara do meu avô!! Cada texto melhor que o outro, hein Nando? bjão!
Descreve muito bem algumas pessoas que eu conheço também. Como seria bom se todos pensassem como você . UM BEIJO!
Todos nós temos nossos vícios, nossas neoroses e nossas válvulas de escape. O que seria de nossas vidas sem elas? Mas é preciso ter consciência de que as temos, porque as temos e para que as temos. Nando, excelente texto, continue escrevendo, parabéns, abração.
oi nando;
mais uma de suas escritas brilhantes, hein?!continue assim.bjao
ESSE É "BOLO DOIDO" ME AMARREI VÍCIOS, VÍCIOS, VÍCIOS E QUEM NÃO OS TEM...
Realmente o final ficou muito bom, o texto ficou "fechado".
Não sei se você percebeu, mas voltei a tomar coca-light por causa desse texto.
Um grande abraço.
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