domingo, junho 12, 2005

A casa - I

As grades do portão eram altas, o que a distinguia bem das outras naquele bairro. O formato também tinha um diferencial às casas iguais a qual ele morava, típicas de periferia, com o mesmo quintal de roupas penduradas e com o com mesmo cheiro de feijão cozinhando ao meio-dia. A parede escura relatava um pouco da sua idade, que parecia ser maior do que todo o resto daquela região. A curiosidade de descobrir o interior daquele casebre abandonado multiplicava a cada tarde que passava. Escutara uma vez, de alguns garotos mais velhos, histórias de assombração daquele lugar, o que tirava sua coragem de encará-la quando era noite. Mas assim, em plena tarde de um dia de semana, era apenas uma casa antiga como outra qualquer, e que o deixava intrigado. Passava horas na varanda observando do outro lado da rua, só o que tirava sua concentração era a voz da Ritinha gritando seu nome com olhos lhe fitando em cautela para que não fugisse mais uma vez como em diversas tardes iguais àquela. Thiago não entendia porque causava tanta preocupação em sua babá o interesse de entrar nela: era mesmo abandonada, quem iria reclamar? Ele não gostava nada da maneira que o proibia de fazer as coisas. Ainda mais em uma tarde de Quinta-feira que não havia muito que se fazer para distrair. Se fosse Sexta, talvez já estivesse na casa do novo amigo do colégio, em seu apartamento de bairro nobre, onde passava os finais de semana quando era convidado. Desde aquela nova amizade as tardes de sextas eram bem diferentes do restante da semana, naquele lugar cheio de videogames, brinquedos e piscina no térreo. Juca. Mas agora, só tinha mesmo a companhia da Rita, de qual já estava bem cansado. Não que não gostasse da babá, era sua conhecida desde muito pequeno e por ela já tinha bastante afeição - ainda podia recordar o dia em que foi apresentado pela mãe. A notícia de que seria sua nova companhia depois que chegava do colégio correu uma sensação estranha dentro de si, como se alguém estivesse, de repente, trocando sua mãe por outra. Na verdade, nestes dias que ficava sozinho ainda podia ter um pouco a mesma sensação.
Aproveitou que a Ritinha estava dispersa com o filme de seção-da-tarde e disparou em meio à calçada de paralelepípedos. Da ultima vez que chegara tão perto daquela casa escura tinha passado por baixo da grade por um pequeno espaço que só cabia um menino franzino de sete anos como ele. Mas desta vez o portão estava um pouco mais baixo, impedindo que repetisse o mesmo. Encorajado pela oportunidade deu um salto nada triunfal do alto das grades enferrujadas deixando ferir-lhe o joelho. Tamanho foi seu susto ao ouvir o ruído alto do cão a latir ao seu lado, mas riu consigo mesmo ao perceber que o animal estava na casa vizinha e não teria como lhe fazer mal algum. Contente, seguiu pela varanda empoeirada sabendo que já teria um fato divertido para contar em sua história, mesmo não sabendo ainda para quem a contaria. A porta não lhe dava nenhuma possibilidade de acesso, por isso buscou uma janela lateral, e ficou irritado ao perceber que não tinha estatura suficiente para alcançá-la sem ajuda de algo para subir. Como era ruim ser pequeno, provavelmente qualquer outro colega de sua idade se sairia bem melhor naquela situação, mas ele teve de procurar alguma coisa firme o suficiente que lhe desse segurança para sustentar seu pequeno corpo. Foi então esvaziando um tunél de lixo que tinha pedaços de móveis antigos, que pareciam queimados - o que denunciava que alguém já havia habitado aquele lugar um dia - até torná-lo leve o suficiente para que fosse possível movê-lo, mas foi interrompido pela voz de desespero já tão conhecida:
-Thiaguinho seu moleque, volte agora mesmo!
Obrigado a pular o mesmo portão que lhe criara tanta dificuldade, foi cabisbaixo atravessando de volta à rua em meio aos olhos chuvosos e às reclamações.
À noite era a mãe que gritava em desespero. Da cozinha escutava a sua voz, nada sutil, ao culpar a Rita mais uma vez pela falta de atenção com seu filho. As discussões e as ameaças eram claramente escutadas em todo espaço daquele humilde lar, ou mesmo aos vizinhos.
-Ele está machucado! Deveria ter me ligado!
Mas nada daquela conversa entre as duas abalava sua preocupação. Ficava assistindo a TV ligada no quarto enquanto pensava para dentro de si: será que a mãe lhe iria obrigar tomar banho antes de dormir hoje? O Juca iria lhe convidar nesta Sexta? A casa abandonada era seu maior mistério.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

O que será que tem nessa casa?

Tem sempre um mistério na nossa infância, o meu foi em entender a necessidade de dormir, nunca gostei, e continuo não gostando.

Um abraço.

terça-feira, 9 de agosto de 2005 às 13:35:00 BRT  

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