quinta-feira, junho 09, 2005

Patrícia



A manhã despertava um céu repleto de andorinhas. Andorinha é um passarinho que dava em fartura naquela região. Não havia lugar, no azul, que elas não ocupassem. A colcha pesada da cama e o frio que fazia naquele horário denunciavam, ao acordar, que eu estava longe de casa. Entre a cortina da janela e a neblina da área externa não dava pra enxergar à piscina. Era distante. Quando se é pequeno um sítio extenso daqueles é uma imensidão. É grande suficiente para que fosse preciso a companhia de alguém mais velho para se chegar a outra extremidade, sozinho sempre tinha o risco de se perder . Não se afaste muito, dizia a vó. Naquele dia chovia um pouco, não ia dar pra brincar na água. Mas não me importava, ela já estava lá me esperando. O dia era dos mais ensolarados ao seu lado, mesmo nas piores tempestades que pudesse cair naquele país distante. Perto daquela face de menina, era possível ser dia mesmo quando já estava escuro. Era possível levantar cedo sem reclamar, ficar acordado a madrugada sem ter sono. A temperatura baixa das manhãs aumentava a expectativa . Isolados dos mais velhos, ocupávamos nossos dias com os passatempos só nossos, naquele lugar só nosso, entre a sua casa e a da tia que hospedava minha família, naquelas férias de verão . O horário do almoço e os lanches chegavam sem interromper à companhia um do outro. Faze-la rir era minha maior proeza, mesmo que para isso fosse preciso apelar a maneira que imitava o jeito de falar de seu pai, durão. Ás vezes, nos rondava uns olhos atravessados como se , intuitivamente, notasse o romance de criança que nascia dentro de nós dois, à cada dia . Mas sua filha estava bem fora do alcance paterno quando o beijo pintou seu rosto. Ela apenas assistiu ao meu movimento em silêncio, como quando assistia maravilhada, às histórias que a contava do lugar de qual eu viera ,do outro lado do oceano. Foi a única vez que ousei e não voltamos a tocar no assunto. Mas não havia necessidade: criança não precisa dizer nada para se entender com outra, os adultos, sim, se preocupam demais em falar. O que mais guardo de sua lembrança hoje é o seu sotaque engraçado português, que tanto gostava de copiar fazendo graça "Sabes Nando, quando voltares ao Brasil estarás a falar português como a mim e eu estarei aqui, à falar brasileiro como a ti". Mas não foi da sua maneira de falar que me lembrava no dia que parti, foi mesmo da forma que me preenchia naqueles dias de ferias, naquele país distante, num tempo distante, com aquela menina distante, que nunca mais voltei a ver. De suas mãos tirou uma foto, que roubara do álbum de colégio – a que mais encantava meus olhos quando o foliava em sua casa.- Mas também não precisei lhe dizer isso pra ganhar o retrato de presente. Não me abalou o momento da partida. Não olhei para trás enaquanto o carro saía a ultima vez daquele lugar, me lembro disso. Era novo demais. Não fazia ainda idéia do peso que causa uma saudade. Da sua recordação vazia que habitaria o espaço do meu peito de menino nos anos seguintes. Assim como as andorinhas ocupam o céu, no verão de Lisboa.

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